Textos


A não-violência em Jesus de Nazaré
 
É relevante captar as mensagens que nos são passadas, sem ideias pre-concebidas a transmutar-lhes o verdadeiro sentido. Deve-se compreender "o que foi dito" e não o que "desejaríamos ouvir".
 
Não coloco em dúvida a existência de Jesus de Nazaré na face da Terra. Antes, aceito-a como um dado histórico relevante. Mantenho pensamento objetivo, desvinculado de reflexos ideológicos, mas, continuo a discordar de alguns discursos, que, eloquentemente, afirmam que na história de Jesus de Nazaré não existe violência de espécie alguma.
 
Sem ignorar o relevante conteúdo das parábolas sobre Bondade, Paz e Amor ao próximo exaradas por Jesus, alguns fatos históricos merecem análise.
 
Difícil encontrar quem desconheça o fato (verdadeiro ou não) de que, segundo o Evangelho de São Mateus, o nascimento do menino Jesus provocou a maior matança dos tempos antigos, quando Herodes, o grande títere do império, ordenou aos seus soldados que executassem indiscriminadamente todas as criancinhas até dois anos de idade, na esperança de exterminar aquele que um dia seria homenageado como "Rei dos Judeus". Portanto, a história de Jesus inicia-se com um derramamento de sangue obsceno - ato indigno, covarde e aviltante - contra o ser humano arrancado dos braços das genetrizes ainda nos seus primeiros anos de vida.
 
Mais tarde, leremos a presença de um “chicote de corda” nas mãos de Jesus, quando expulsa os fariseus do templo: “Tirai daqui estas coisas; não façais da casa de meu Pai uma casa de negócio.” A narrativa ocorre perto do final dos evangelhos sinóticos (em Marcos 11:15-19; Mateus 21:12-17 e Lucas 19:45-48) e perto do início do Evangelho de João (em João 2:13-16), o que leva alguns acadêmicos a postularem que se tratam na verdade de dois eventos separados, uma vez que o João relata mais de uma Páscoa. Essa passagem é justificada porque Jesus não atacou as pessoas (cambistas e vendedores), mas os “animais” – compreendidos como as figuras do povo. O chicote seria o símbolo do Messias libertador, então representado com um chicote na mão. Nesse contexto, Jesus estaria “resgatando” suas ovelhas do perigo dos lobos e dos falsos pastores. Oras, se os pais espancarem os seus filhos, sob a justificativa de ser necessário salvá-los da violência das ruas, das más companhias e do uso das drogas, praticarão violência... ou não?
 
Por outro lado, qual a explicação para a presença das espadas e dos zelotes (cuja ideologia fora rejeitada pelo Mestre) no grupo de Jesus? No Livro de Lucas e em Atos dos Apóstolos (Lc 6:15 e At 1:13) um dos apóstolos – Simão – era chamado de “o Zelote” (1), apelido nunca explicado. Em outra passagem, durante a Última Ceia relatada no Evangelho de Lucas (Lucas 22:36), é o próprio Jesus quem se refere ao porte da arma: “Agora, porém, o que tem bolsa, tome-a, como também o alforge; e o que não tem dinheiro, venda a sua capa e compre espada.” Jacques Ellul e John Howard Yoder não acreditam que o trecho se sobreponha ou invalide os outros onde Jesus incentivou seus discípulos a darem a outra face. Demonstraram os estudiosos, que ao ser analisada dentro do contexto, a passagem revela que Jesus está ciente de estar cumprindo uma profecia (Isaías 53:9-12) e faz a surpreendente revelação de que duas espadas "bastam". Alguns estudiosos, como S. G. F. Brandon e o padre William Most, tomam o versículo como uma justificativa para a autodefesa; em que Jesus estaria orientando os discípulos a comprarem espadas para se protegerem de possíveis ladrões e salteadores, que poderiam aparecer durante suas expedições missionárias. Prova disso, dizem, é que Jesus repreendeu o discípulo Pedro, quando este, para protegê-lo da prisão no Getsêmani, sacou uma das espadas e cortou a orelha de Malco (um dos servos dos sumo-sacerdotes): “Embainha a tua espada; pois todos os que tomam a espada, morrerão à espada” (Mateus 26:52).
 
Parece-me que Jesus recusava a violência, ao mesmo tempo em que afirmava ser aquele o "momento de luta". Contudo, isso não significa, necessariamente, que a luta se fizesse através da espada; poderia sê-lo através do intelecto - ou da própria Fé, como evidenciaram os cristãos, nas arenas, ao serem lançados aos leões, sob a tirania da Roma Antiga.
 
Quanto à morte de Jesus, considero a sua execução em exacerbado grau de humilhação e violência...
 
Ainda que fosse possível esquecer os acontecimentos irascíveis e desumanos evidenciados por ocasião do nascimento e da morte de Jesus, a inquietação (fruto da incoerência histórica) persistiria - a simples aceitação das armas no grupo de Jesus não contraria a mensagem cristã da não-violência?
 
A escrita deste texto, de forma alguma evidencia pensamento contrário ao ser humano Jesus, que transformado em Jesus Cristo (O Escolhido), revolucionou o pensamento humano.

Nota:
(1) Termo do grego antigo ζηλωτής, transl. zelotés, "imitador", "admirador zeloso" ou "seguidor", em hebraico קנאי, kanai (frequentemente usado na forma plural, קנאים, kana'im) significa literalmente alguém que zela pelo nome de Deus.

Rio de Janeiro, 20 de dezembro de 2011
Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz
Enviado por Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz em 21/12/2011
Alterado em 30/08/2020
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