Um aluno muito inteligente
Noite de luar bonita. Sozinha em casa, estudava ao lado do computador ligado, quando ouvi o tilintar de uma mensagem entrando na caixa do Incredmail. Que bom! Era Alexandro, aluno muito querido. Iniciei a leitura. Após os primeiros parágrafos, nos quais expressava o quanto estudara na noite anterior para uma avaliação na Faculdade, contou-me o discípulo:
- "Em seguida assisti a um filme em DVD, "Escritores da Liberdade" (Freedom Writers, 2007), história real por trás da *Freedom Writers Foundation*, onde estudantes na adversidade mostram ao mundo do que são feitos, numa prova da capacidade humana. Lembrei de você desde o início do filme: embora os cenários sejam diferentes (talvez opostos), o elemento é o mesmo, a velha tecla do professor (inexplicavelmente raro) que preza o crescimento interior. Se não viu o filme, avise que eu lhe levo uma cópia na quarta-feira."
Quanta gentileza! Um cavalheiro, aquele menino!
Com o decorrer da leitura, minha expressão facial modificou-se, até que me quedei triste a olhar para além da janela com o pensamento distante...
Dias antes, Alexandro confessara-me a sua desilusão com a preguiça mental de alguns colegas. Incomodava-o os olhares e risinhos de escárnio quando inquiria os professores, tanto em sala de aula quanto em outras atividades.
Hoje, após pedir-me licença, Alexandro correspondia-se num pedido de socorro e as suas palavras traziam mais angústia do que revolta:
- "Meu dilema é este: tento respeitar o histórico e os motivos de cada um, mas basta lembrar *a atitude* deles, do mais absoluto descaso pelo raciocínio, que começo a me incomodar, num crescendo que me inflama e faz passar da casualidade a cismadas lucubrações que não chegam a lugar algum acerca dos motivos, do que leva uma pessoa a *voluntariamente* se alienar. Aliás, se eu sequer consigo frear meu pensamento, uma torrente permanente e intensa que por vezes me exaure, para mim é do mais absoluto mistério o estofo, o fermento, o germe das razões deles..."
Com os olhos presos à telinha e uma dorzinha ligeira do lado esquerdo do peito, li e reli a aflita mensagem do meu querido aluno.
Alexandro confessou-me o seu desânimo perante a situação e que estava prestes a desistir do curso. Era necessário oferecer-lhe apoio, mesmo que o fizesse virtualmente, naquele momento. Mas, não poderia "fingir que não via ou sentia" o problema. Alexandro não merecia a farsa e eu jamais a cometeria! Optei por estimulá-lo a enxergar coisas boas dentro das circunstâncias desfavoráveis duramente expostas.
E, foi assim, que escrevi minha resposta.
"7 de outubro de 2007.
Querido Alexandro,
Cada vez mais desfaço-me em encanto frente à beleza e à perfeição da sua escrita. Simplesmente, no topo da idade alcançada, afirmo-lhe que nunca encontrei, nos bancos das faculdades nas quais ministrei minhas aulas, um aluno tão culto e tão sensível à realidade. Por tal motivo, o meu coração jamais se negaria a enviar esta resposta.
Em primeiro lugar, saiba que, na saga das perseguições intelectuais, você não se encontra sozinho. Padeci e ainda padeço problemas iguais aos que você relata. A diferença entre nós é que nunca pensei em desistir. Possuo um ideal que não será sacrificado a erros tão grosseiros.
Quantas vezes incomodou-me o descaso do ser humano para consigo mesmo! Opção por vidas obtusas. Incoerência. A própria palavra VIDA se enovela na renovação constante.
Quanto sofri! Separei-me de pessoas que amava, enquanto por outras fui abandonada, talvez, porque o meu cotidiano não fosse besta, hipócrita, mas repleto de indagações e necessidade de respostas. Dos poucos amores aos diversos amigos e alunos que cruzaram o meu caminho, levei diversos à exaustão. Mas, se, por desejar constantes desafios as cansei, não conseguiria mesmo tê-las ao meu lado por muito tempo! Sou um ser humano que vibra o pensamento, e, para além do mero combate, luta pela vitória. A inércia sufoca-me!
Como professora, descobri uma realidade nova: pessoas que se orgulham de nada saber e de nada ler. E, triste constatação, pessoas assim proliferam! Propagam a sua ignorância aos quatro ventos, sem nenhum pudor. Algumas, exigem compreensão diferenciada, porque não possuem recursos fnanceiros para comprar livros e outras coisas mais. Por outro lado, encontrei uma aluna que reclamou ser o marido um empresário muito rico: "Minha vida é muito difícil, professora. Quando o motorista falta eu mesma preciso levar os meus filhos ao judô, à natação, ao curso de inglês e à aula de dança..." Risível, quando as dificuldades tornam-se insuperáveis e as vantagens traçam desgraças. Não consigo compreender...
Lutei e luto contra a inércia. Chamo os meus alunos para o mundo da cultura e do saber, mas, diante da excessiva reclamação de alguns, sou prejudicada por coordenadores que "não estão a fim" de resolver problemas dessa natureza, sendo mais fácil pedir-me para ser "mais suave e mais compreensiva". Nas entrelinhas desses "conselhos", subjaz implícita a "ordem" de que devo ser menos provocativa e passar o mínimo para quem paga o elevado preço exigido nas universidades. Sendo assim, como escrevi no texto exposto na prova: surge um novo tipo de consumidor, estranho, por sinal, que paga o máximo para receber o mínimo em troca.
Os alunos que me admiram, por sua vez, aderem ao silêncio, para não sofrerem represálias por parte dos demais colegas. Para mim, igualam-se aos demais. Não entendo e não aceito a covarde omissão.
Após tantos anos de labor, sou a mesma profissional apaixonada, ou, talvez, um pouquinho mais, porque ostento hoje mais conteúdo e mais experiência. Dessa forma, sofro menos. Resolvi que cumprirei o meu show da melhor forma possível. Nos momentos em sala de aula, minhas palavras são ignoradas por alguns, mas ouvidas por outros.
O quê fazer, se em qualquer plantação nem tudo vinga? Contudo, jamais desisto de plantar e guardo a certeza de que a minha dignidade profissional jamais será esquecida, tanto pelos maus quanto pelos bons alunos, porque, em meus momentos de espalhar as sementes, respeito os diferentes terrenos.
Alexandro, é preciso que você olhe para dentro de si mesmo e procure o seu ponto de equilíbrio em relação às demais pessoas, ainda que, na maioria das vezes, estejam em sintonias diferentes. Não se esqueça de que nas dissonâncias xse encontram os mais lindos e determinantes acordes. Depois, é continuar a ser o que você é.
A repulsa que despertamos em algumas pessoas é proveniente do medo que lhes provocamos por não serem ao menos parecidos conosco. Mas, se, aparentemente, não nos fazem mal, cabe-nos o dever da prontidão, porque, se nos afastarmos dos nossos ideais, em razão dos comentários maldosos, é porque, independentemente da nossa elevação intelectual, foram mais fortes do que nós. Por tal razão: NUNCA DESISTA DOS SEUS IDEAIS!
Acredito na revolução humana de cada um e espero que a maior parte vença as suas pérfidas idiossincrasias.
Viver na diferença faz crescer. E, como não vivemos sozinhos, ponho-me por aqui a pensar na Flor de Lótus, que nasce e floresce branca e pura, a partir do mais impuro e fétido pântano.
Quer exemplo mais natural?
Feliz por você retomar o blog. Escrever poemas faz bem. Alivia o coração e floresce a alma. Aproveite, estamos na primavera.
Escreva-me, sempre que desejar.
As provas ainda não foram corrigidas.
Beijos,
Professora Sílvia Mota
Essa foi a resposta que enviei para o meu aluno. Outras correspondências trocamos. Alexandro prosseguiu o curso. Eu fui demitida dois anos depois, mas, esse fato não se relaciona à carta enviada para Alexandro, que serve apenas para ilustrar as injustiças cometidas contra professores cuja seriedade é admirada e respeitada pelos bons alunos, hoje escassos.
Motivos insinuados para minha demissão:
⭐️rigorosidade excessiva (os alunos medíocres assinalados por Alexandro venceram?);
⭐️ o fato de que me tornara uma professora cara para a Instituição, que naquele momento optava por contratar professores recém formados ou com certificados de Especialistas. Ignorados, portanto, a dedicação, os diplomas e a experiência ostentados. O esplendor do meu Curriculum Vitae et Studiorum servira somente enquanto os cursos encontravam-se em fase de reconhecimento pelo MEC, que valoriza a contratação, pelas universidades, de Mestres e Doutores dedicados essencialmente à pesquisa.
Curioso nesta trama é que jamais elogiei de forma exacerbada e falsa os meus "superiores" ou aceitei participar de jantares ou encontros coletivos após os horários de aula ou aos finais de semana. Para além disso, ninguém seria capaz de apontar uma falha sequer na minha conduta pessoal extremamente rigorosa, em particular, no ambiente de trabalho.
Cabe resaltar, que nunca mais encontrei em sala de aula um aluno tão inteligente, atencioso e educado quanto Alexandro.
Para bom entendedor, a saga continua...
Rio de Janeiro, 5 de agosto de 2010.
Enviado por Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz em 13/01/2011
Alterado em 19/04/2025