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Nascimento da ovelha Dolly
Texto contido em:
MOTA, Sílvia. Da bioética ao biodireito: a tutela da vida no âmbito do direito civil. 1999. 308 f. Dissertação (Mestrado em Direito Civil)–Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1999. Não publicada. [Aprovada com distinção].

 

As fantásticas descobertas biológicas no campo da engenharia genética colocam um fato excessivamente considerável e inteiramente excêntrico na história da humanidade: a clonagem. Essa possibilidade científica, que permite a criação de seres vivos a partir de uma única célula de um seu semelhante, coloca inúmeros questionamentos no plano bioético, além da persistente contenda sobre os padrões e normas que serão aplicáveis às pesquisas biotecnológicas.

Em julho de 1996, em Roslin, na Escócia, nasceu a ovelha Dolly, da raça Finn Dorset, produzida artificialmente em laboratório a partir de um tecido não reprodutivo - a glândula mamária - obtida de uma ovelha adulta. O código genético das ovelhas é idêntico. Dolly é o primeiro mamífero criado com a participação exclusiva de fêmeas e o responsável por esse feito notável que se inscreve na história das ciências foi o embriologista britânico Ian Wilmut e sua equipe. A experiência concretizou-se nos laboratórios do Instituto Roslin, empresa PPL Therapeutics, que patenteou Dolly, em associação com à Universidade de Edimburgo, na Escócia.

O nascimento da ovelha provocou um rebuliço nos Parlamentos mundiais que, desde então, preparam comissões e projetos de lei para evitar que sejam criadas réplicas de seres humanos.[1] No Brasil, o presidente Fernando Henrique Cardoso solicitou, de imediato, esclarecimentos ao Ministério da Ciência e Tecnologia. O assunto foi encaminhado à Comissão Nacional Técnica de Biossegurança - CNTBIO, que iniciou por analisá-lo no âmbito da Lei n. 8.974, de 5 de janeiro de 1995, a lei de biossegurança, regulada pelo Decreto n. 1.752, de 1995. Independentemente de ter como alvo a liberação de organismos geneticamente modificados no ambiente, o escopo da lei brasileira vai além da biossegurança, contemplando aspectos éticos que dizem respeito às tecnologias de genética e reprodução humana. Assim, a Lei n. 8.974, nos seus aspectos penais enunciados no art. 13, diz que constituem crime a manipulação genética de células germinais humanas; a intervenção em material genético humano in vivo, exceto para tratamento de defeitos genéticos; e a produção, armazenamento ou manipulação de embriões humanos. As penas previstas variam de três meses a vinte anos de detenção, além do pagamento de multas. Mas como a lei em referência proíbe a manipulação genética apenas de células germinais, deixa ao desamparo a possível clonagem de seres humanos a partir de células somáticas adultas, favorecendo dúbias interpretações.

Surgiram no Congresso Nacional novos projetos de leis e emendas visando modificar a lei de biossegurança para torná-la ainda mais restritiva, no intento de proibir terminantemente as pesquisas com vistas à clonagem humana.[2]

Além das questões jurídicas, Dolly provocou a fantasia humana. Logo após a divulgação de seu nascimento, a imprensa trouxe a lume o desejo de um casal brasileiro, confiado ao seu médico especialista em reprodução humana, de ter um clone do único filho, assassinado aos dezessete anos, nascido após um dificultoso tratamento de infertilidade.[3]

Também suscitam alguns cientistas que o direito de clonar faz parte do nosso direito à liberdade de reprodução. A partir daí, grupos de lésbicas, em especial, vislumbram a possibilidade de gerar uma criança sem a participação de um homem no processo.[4]

Ressalta-se a preocupação de que os argumentos éticos não se constituam em instrumento de moralização anticientífico. Por outro lado, advoga-se pela formulação de leis que não tenham o cunho de prematuras.[5] Faz-se necessária a discussão aprofundada nos meios acadêmicos, amparada pela opinião da sociedade em geral. As vicissitudes éticas exigem análises multidisciplinares abrangentes que sejam capazes de sugerir eficientes orientações normativas.
 

[1] EUA devem proibir clonagem de humanos. Folha de São Paulo, São Paulo, 5 jun. 1997. Ciência; CLINTON quer proibir clonagem humana. Folha de São Paulo, São Paulo, 10 jun. 1997. Mundo; CLINTON defende lei que prevê experiência com clone de embrião de ser humano. O Globo, Rio de Janeiro, 10 jun. 1997. O Mundo/Ciência e Vida, p. 36.
[2] A análise do que foi dito nos permite perfilhar a tese da impossibilidade de clonagem humana no ordenamento jurídico brasileiro, isto porque a topologia dos direitos de preservação da integridade do patrimônio genético impede a sua modificação pela via legislativa ordinária. Desse modo, harmoniza-se de forma efetiva o progresso científico com a dignidade da pessoa humana “...” e com a garantia de um meio ambiente equilibrado que preserva a diversidade e a integridade do patrimônio genético do país. FARIAS, Paulo José Leite. Manipulação genética e a atual constituição. Amatra-X, Disponível em: http://www.solar.com.br/~amatra/cb-35.html.
[3] PAI quer clone do filho. O Dia, Rio de Janeiro, 17 mar. 1997. Brasil/Mundo, p. 6.
[4] KOLATA, Gina. Clone os caminhos para Dolly. Rio de Janeiro: Campus, 1998, p. 28.
[5] Receio que o conjunto de leis restritivas que vem sendo criado no Brasil possa fazer com que fatos e temas da ciência e da ética passem a ser remetidos para a interpretação da Justiça, sem que esta tenha familiaridade com os mesmos. De modo geral, leis e decretos proibitivos não são instrumentos eficazes para a intervenção regulatória sobre questões éticas emanadas da ciência e da medicina e apenas terminam vestindo uma camisa-de-força em iniciativas científicas importantes. MARQUES, Marília Bernardes. O fenômeno humano e as leis em face da clonagem. Monitor Público, Rio de Janeiro, n. 12, p. 31, jan./mar. 1997.
Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz
Enviado por Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz em 28/01/2014
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