Textos

Santo Agostinho (Aurélio Agostinho)
Sílvia M L Mota
 
O soberano bem a ser buscado pela Filosofia não é o soberano bem da planta, nem o do animal irracional, nem o de Deus, mas o bem do homem! Agostinho de Hipona (De Civitate Dei XIX, 3,1)
 
Aurélio Agostinho nasceu em 354 em Tagaste, pequena província romana da Numídia, atual Argélia, na África. O ambiente em que ele nasceu e viveu, foi profundamente marcado pelo contraste religioso: de um lado, a marcante influência de sua mãe, Mônica, que tinha uma piedade personificada por uma grande fé e confiança absoluta em Deus e, por outro lado, a presença do pai, Patrício, homem rude, de caráter firme e violento, pagão, com costumes depravados, portanto, contrários à fé cristã de sua companheira. Agostinho teve dois irmãos: Navígio e Perpétua. O primeiro converteu-se juntamente com ele, e, a segunda, depois de enviuvar, tornou-se religiosa e ocupou a função de superiora em um convento agostiniano em Hipona.
 
Em Tagaste e Madaura, cidadezinha próxima, Agostinho fez os primeiros estudos e deveria parar por aí, mas, o pai sacrificou-se para dar ao filho a educação liberal que poderia abrir-lhe as portas do magistério ou da magistratura. Para isso, valeu-se de um amigo rico. Romaniano. que o ajudou a enviar o rapaz para Cartago, onde completaria os estudos superiores. Cartago era o grande centro do paganismo e a maior cidade do Ocidente latino, depois de Roma.
 
O jovem Agostinho desfrutava de um temperamento ardente, rebelde a todos os freios. Antes da sua conversão, desfrutava uma vida desordenada e dispersa. Pontilhavam sua vida algumas pequenas más ações, comuns a todo adolescente, como roubar peras no quintal do vizinho pelo puro prazer de enfrentar o proibido. Mais séria, contudo, era uma ligação amorosa com uma jovem africana, que os padrões da época não permitiam terminar em casamento. Foi, no entanto, inteiramente fiel à mulher amada e riveram um filho, Adeodato, falecido em plena adolescência.[1] Mas, ao largo da personalidade insurgente, dedicou-se sempre aos estudos clássicos, particularmente os latinos.
 
Sem fluência no grego, toda a sua cultura fora alicerçada na língua latina e nos autores latinos. Por volta dos 19 anos, despertou para a Filosofia, mediante a leitura de uma obra de Cícero, hoje perdida, chamada Hortênsio, o que o levou a se apaixonar pela filosofia e a se debruçar sobre os problemas do pensamento. Mas, a filosofia predominante em Cartago era mesmo a maniquéia. De espírito crítico e inquieto, abandonou o Cristianismo e adotou o maniqueísmo, sob o escopo de seguir a força única da razão. As escrituras sagradas, oferecidas com insistência pela sua mãe, pareciam-lhe vulgares e indignas de um homem culto. Essa conversão constituiu-se em grande desgosto para Mônica, a mãe fervorosa. Durante doze anos, Agostinho foi seguidor de Mani, profeta persa que pregava uma doutrina na qual se misturava Evangelho, ocultismo e astrologia.
 
A partir de 374, em Tagaste, dedicou-se por muitos anos ao ensino da Retórica, mas, logo se mudou para Cartago, onde também ministraria suas aulas durante alguns anos, de 375 a 383.
 
Embora cercado de muitos amigos e ladeado por alguns alunos inteligentes, sentiu-se também atribulado por vários estudantes indisciplinados. Alie-se a isso o fato de que se encontrava ansioso por fama, e, em 383, aos 29 anos, foi para Roma a fim de continuar os ensinamentos retóricos.
 
Em Roma, começa a se distanciar da seita maniquéia, questiona-lhe os dogmas, até aderir, por um curto período de tempo, ao ceticismo da Academia. No mesmo ano, muda-se de cidade, mais uma vez e chega a Milão, onde, a pedido de Símaco, que lhe oferecera a cátedra de Retórica na faculdade, começa a ensinar e aí permanece de 384 a 386. Em Milão, lê Plotino e fascina-se pela doutrina do neoplatonismo a respeito da incorporeidade de Deus e da imaterialidade da alma. De cético, torna-se neoplatônico.
 
No entanto, através dos sermões do Bispo Ambrósio, que a princípio só lhe interessaram em razão da fina retórica do orador, e, também, em virtude das cartas de São Paulo, convence-se de que só no Cristianismo se encontra a verdade que tanto buscara. Torna-se um catecúmeno. Renuncia ao cargo de professor de Retórica, que lhe fora oferecido por Símaco e se retira para Cassiciacum, numa chácara, que, na realidade, era uma vila campestre, cuja localidade se encontrava muito perto de Milão. A partir de então, em companhia de vários amigos, sua mãe, seu irmão e o seu filho Adeodato, passa a levar uma vida comum. Nesse local, nascem os primeiros diálogos filosóficos de Agostinho, dos quais citamos apenas os clássicos filosóficos: Contra Academicos (Contra os Acadêmicos), em três livros; De Beata Vita (A Vida Feliz); De Ordine (A Ordem), em dois livros; Soliloquia (Solilóquios).
 
Em 387 retorna a Milão e, aos 25 de abril desse ano, foi batizado por Santo Ambrósio, por ocasião da vigília de Páscoa. Dada a alegria de conversão à sua mãe, em Ostia ficaram dias a discorrer sobre questões religiosas. No mesmo ano, decide-se por voltar à África. No caminho de regresso, em Óstia, morre-lhe a mãe, Mônica. Agostinho permanece em Roma e só consegue chegar a Tagaste em 388. Vende todos os bens paternos e funda uma espécie de comunidade religiosa, passando a viver como monge.
 
Por ocasião da sua estada em Hipona, e, sob a pressão dos fiéis, é aclamado e ordenado sacerdote pelo Bispo local Valério, a quem auxilia no trabalho pastoral, sobretudo na pregação. Funda um novo mosteiro na região, até que em 395 é ordenado Bispo Auxiliar pelo próprio Valério. Finalmente, no ano seguinte, com a morte do mesmo epíscopo, assume o posto de Bispo titular da cidade episcopal de Hipona.
 
Dedica-se às obras de cunho pastoral  e toda essa atividade foi um trabalho em favor da paz. Eram suas palavras: “Não basta desejar a paz, é necessário ser  construtor  da  paz”.[2] Em  suas  obras,  principalmente  nos  sermões, comentários  e  cartas,  conhecemos  de  seu  próprio  testemunho,  suas atividades de pacifista ante litteram.
 
A sua obra-prima em dogmática é o tratado teológico-filosófico De Trinitate (A Trindade), em 15 livros. Esta obra fora escrita durante o interregno de 399 a 419. Em exegese, a sua obra de maior destaque é o De Doctrina Christi (A Doutrina Cristã), em quatro livros, escrita num período de trinta anos, 396 a 426.
 
Santo Agostinho deixa uma obra literária gigantesca: 113 trabalhos, 224 cartas e mais quinhentos sermões.
 
A sua obra de maior relevância no que toca a uma exposição da fé católica, é o De Vera Religione (A Verdadeira Religião), escrita entre 389 e 390.
 
A sua obra-prima em apologética é o De Civitate Dei (A Cidade de Deus), em 22 livros, escrita no interstício de 413 a 427.
 
Contra os maniqueus, vale citar, o diálogo filosóficoDe Libero Arbitrio (O Livre-Arbítrio), em três livros, escrito no ínterim de 388 a 395.
 
Dentre as obras de Agostinho, merecem especial atenção, porquanto inauguram novos gêneros literários, a sua obra mais famosa, Confessiones (Confissões), autobiografia escrita em 13 tomos, durante o ano de 397, e, finalmente, as Retractationes, obra em dois livros, escrita entre 426 e 427, onde o autor se retrata dos erros que lhe parecem figurar nas suas obras anteriores.
 
Faleceu Agostinho em 28 de agosto de 430, quando Hipona, província romana na África, estava sendo invadida pelos vândalos, após um cerco de três meses, sob o comando de Genserico.[3] Foi canonizado por aclamação popular e reconhecido como Doutor da Igreja, em 1292, pelo Papa Bonifácio VIII.
 
Agostinho é o Padre da Igreja mais citado nos documentos do Concílio Vaticano II. Encontra-se muito presente nos pronunciamentos oficiais dos últimos Papas, principalmente Paulo VI, João Paulo II, e, agora, Bento XVI, que se considera um “papa agostiniano”. No seu próprio brasão pontifical há uma alusão simbólica a Agostinho na imagem da concha, que remete à fábula do séc. XIII, referente ao diálogo entre o menino e o Hiponense, a respeito da Santíssima Trindade.[4] Sua primeira carta encíclica “Deus caritas est” tem uma explícita influência agostiniana, sobretudo na primeira parte. Confirma-se, assim, o adágio eclesiástico: “Não há banquete sem bom vinho, nem bom sermão sem Santo Agostinho!”
 
Nos dias atuais, Santo Agostinho foi declarado “Patrono da África”[5], apontado como um eminente pensador, que, tendo suas origens no solo africano, é proposto como um pensador de caráter universal, cujas intuições podem em muito colaborar no diálogo com as culturas, religiões e tendências do mundo moderno.
 
Notas
 
[1] PESSANHA, José Américo Motta. STO. AGOSTINHO (354-430): vida e obra. In: Os pensadores.
[2] PINHEIRO, Luiz Antônio, OSA (Frei). A atualidade de Santo Agostinho: uma perspectiva teológico-pastoral. Horizonte, Belo Horizonte, v. 7, n. 13, p. 121, dez. 2008.
[3] Genserico ou Gizerico (c. 389 - Cartago, 25 de janeiro de 477), rei dos vândalos e alanos entre 428 e 477. Foi peça chave nos conflitos travados no século V pelo Império Romano do Ocidente, e durante os seus quase cinquenta anos de reinado elevou uma tribo germânica relativamente insignificante à categoria de potência mediterrânea. Filho ilegítimo do rei vândalo Godegisilo, supõe-se que nasceu nas imediações do lago Balaton (atual Hungria) por volta de 389. Os historiadores retrataram-no como alguém pavoroso, tanto por ser ariano como por se tornar dono de Roma e de Cartago, duas das mais célebres cidades do mundo desse tempo, cidades que ele teria supostamente destruído, o que é falso em grande parte.
[4] BENTO XVI, Papa. Acta Apostolicae Sedis, Roma, v. 97, n. 5, p. 753, maio 2005.
[5] PINHEIRO, Luiz Antônio, OSA (Frei). A atualidade de Santo Agostinho: uma perspectiva teológico-pastoral. Horizonte, Belo Horizonte, v. 7, n. 13, p. 116, dez. 2008.

Referências
 
BENTO XVI, Papa. Acta Apostolicae Sedis, Roma, v. 97, n. 5, p. 753, maio 2005.
 
PESSANHA, José Américo Motta. STO. AGOSTINHO (354-430): vida e obra. In: Os pensadores.
 
REALE, G.; ANTISERI, D. História da filosofia: Antiguidade e Idade Média. 10. ed. São Paulo: Paulus, 2007. v. 1.
 
PINHEIRO, Luiz Antônio, OSA (Frei). A atualidade de Santo Agostinho: uma perspectiva teológico-pastoral. Horizonte, Belo Horizonte, v. 7, n. 13, p. 115-126, dez. 2008.
 
VAZ, Aline Tabosa. A visão de Santo Agostinho sobre o tempo. Monografia apresentada para obtenção de aprovação na disciplina de Monografia II do Curso de Licenciatura e Bacharelado em Filosofia da Universidade Federal de Mato Grosso, realizada sob orientação do Prof. Dr. Angelo Zanoni Ramos. Cuiabá, 2009. 36 p.
Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz
Enviado por Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz em 14/03/2021
Alterado em 14/03/2021
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